O
que comiam as bruxas? Que bizarros pratos preparavam as assim
chamadas “seguidoras de Satã” quando se encontravam no Sabá,
seus festivais noturnos?
Estas
perguntas se fizeram os inquisidores e os demonologistas
renascentistas, empenhados em conhecer cada aspecto da prática da
bruxaria.
A
necessidade de definir até mesmo os detalhes mais insignificantes,
aparentemente, surgiu a partir da necessidade de reconstruir
meticulosamente o que foi considerado, juntamente com Turcos e
Hebreus, a ameaça mais poderosa para a religião cristã; uma
ameaça, é bem dizê-lo, nascida em um período de extrema
insegurança social devido às guerras, epidemias, conflitos
religiosos, profundas mudanças econômicas.
Por
esta razão transformaram as bruxas na época do Renascimento em bode
expiatório dos males que a justiça e a teologia podiam explicar
somente recorrendo aos preconceitos antigos do milênio. Outrossim,
não foi Eva que cedeu às lisonjas da serpente e convenceu a Adão a
se alimentar do fruto proibido? Desde que foi a mulher a gerar o
pecado original, as descendentes de Eva eram as principais culpadas e
as maiores vítimas da caça às bruxas.
Sob
a tortura, as mulheres acusadas de bruxaria admitiam toda sorte de
crimes, sugeridos pelo inquisidor ou de sua própria fantasia: voo
noturno, malefícios incríveis, magia sobre o tempo, sobre pessoas e
sobre coisas, mesmo relacionamentos sexuais com o diabo.
Durante
o interrogatório, as pessoas acusadas de participaram do Sabá
descreviam cada aspecto deste banquete: quando foi, quem participou,
quem levou o alimento e o que levou. Todas as informações contidas
nos relatórios dos processos e nos tratados antibruxaria escritos
entre o final de 1400 e o início de 1700. Analisando estes
documentos, se descobre que a cozinha das bruxas era muito diversa
daquela contidas em histórias populares
e nas obras de arte, que descrevem poções preparadas com serpentes,
sapos, insetos e outras coisas asquerosas indescritíveis. Se chegou
ao ponto de acusar as bruxas de se alimentarem de carne humana; e
talvez algo similar possa ter acontecido, em períodos de grave
carestia. De fato, os últimos episódios de canibalismo na Europa
são documentados nos anos de 1930 na URSS, quando houve uma das mais
espantosas crises alimentares que a história recente se recorda.
Mas
retornemos aos banquetes das bruxas. Tais documentos mostram que os
festins, vale dizer os Sabás, aconteciam na maioria de vezes em
particular correspondência às festividades, como 1° de Maio, Dia
de Todos os Santos, da Candelária, da Páscoa, do Natal ou o
Solstício de Verão. De acordo com as estações, o Sabá era
realizado em um lugar fechado, perto de algum celeiro, ou a céu
aberto, em localidades remotas como Passo
del Tonale, o noce di Benevento, do Puy de Dome na Alvernia, o monte
Brocken na Alemanha, o Blokula na Suécia, ou do templo pagão em
ruínas mais próximo.
O
alimento era levado às vezes por uma bruxa, às vezes pelo diabo em
pessoa, contudo mais frequentemente era preparado coletivamente,
matando um animal no local. Em um tratado inglês antibruxaria
escrito no final de 1600, se diz que a bruxa “senta-se à mesa,
onde não falte carnes delicadas a fim satisfazer a seu apetite;
todas as delícias são trazidas em um piscar de olhos por espíritos
que servem a assembleia”.
No
célebre processo de 1692 contra as bruxas de Salem, na Nova
Inglaterra, uma testemunha forneceu esta descrição: “quais coisas
comiam na convenção. Responde [a acusada] que levou o pão e o
queijo no bolso, e que antes da convenção se encontrou em companhia
de Andover. Sentaram sob uma árvore e comeram, e matou sua sede
bebendo em um córrego”.
Tal
similar refeição faria rir as bruxas de Lancashire e de Somerset,
na Inglaterra. Durante os processos contra elas, ocorridos
respectivamente em 1613 e 1664, as testemunhas afirmaram que nas
convenções se comia o pão com toicinho e carnes de boi e de
carneiro assadas, bebiam ótimo vinho e boa cerveja e não faltavam
doces estranhos e o acquavite.
Mesmo
os diabos participavam pessoalmente da festa, porque os espíritos,
era opinião comum, quando tomam aparência humana comem e bebem
realmente, como também dançam, cantam, tocam instrumentos musicais
e mesmo fazem amor.
Quase
sempre, nos países Anglo-Saxônicos, as bruxas exaltavam a bondade
dos alimentos preparados para o Sabá. Em vez disso, as bruxas do
continente, embora seu menu fosse quase idêntico ao de suas colegas
inglesas, se lamentavam frequentemente do sabor dos víveres: eram
insípidos e frios, ou de aspecto convidativo, mas de sabor
desagradável, quanto ao vinho e a cerveja eram geralmente ácidos.
Além disso diziam que, embora comessem muitíssimo, assim que
retornavam à casa eram atacadas por uma fome enorme, como se não
houvessem comido de tudo.
Na
Suécia, durante os Sabás era costume tomar sopa de repolhos e
toicinho, pão de aveia coberto de manteiga, e finalmente leite e
queijo. Também aqui, durante os processos, as bruxas confessaram que
o sabor dos alimentos era às vezes muito bom, e de outras era
péssimo.
Além
do aspecto puramente social, no decorrer do Sabá se executavam
danças acompanhadas de musicas festivas, mas em muitos casos
resultava que se celebrava rituais obscenos o que não cabe aqui.
Entretanto, rituais diabólicos ou festividades rurais que fossem, os
juizes não estavam dispostos a atenuar, especialmente no período em
que a caça às bruxas foi mais intensa. Entre o final de 1500 e a
metade de 1600, os católicos e os protestantes, os religiosos e os
laicos estavam determinados a combater a bruxaria e, prestando mais
atenção à forma que ao conteúdo, cometeram o mais trágico dos
erros de julgamento.
Relendo
hoje o relatório do processo, nos perguntamos quantas vezes os
inquisidores confundiram um piquenique banal ou uma festividade de
vilarejo com um Sabá. E quantas daquelas manifestações folclóricas
que ainda hoje alegram os finais de semana ou os feriados no campo,
desapareceram com um golpe de esponja nas mãos dos juízes das
cidades um tanto míopes, que nas máscaras do carnavalescos viram
verdadeiros demônios e nas danças populares viram orgias satânicas?
Não
são perguntas inúteis, se se acreditar que a história humana não
segue sempre a estrada do progresso e da tolerância, e que
frequentemente também a justiça sucumbe aos modismos culturais.
GiordanoBerti
– 2007©
©Tradução
de Lilia Palmeira – 2008/2012
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